domingo, 15 de fevereiro de 2009

[5] Jericoacoara no Ceará

Estava deitado na areia sob um sol escaldante no meio do nada olhando para o céu azul aonde as poucas nuvens brancas e baixas se moviam ritmadamente. Ao mesmo tempo que ouvia o som das ondas quebrarem na praia, sentia o cheiro do sargaço do mar e o vento tocar em minha pele. Não planejava o futuro nem relembrava o passado, apenas tentava conter meus pensamentos no presente (Ana Maria dissera que isso era meditação), quando escutei som do buggy que aumentava paulatinamente. Era meu "bugueiro" Alexandre que vinha me apanhar juntamente com o futuro delegado Bruno (ainda em curso de formação) e a sua namorada, a bióloga Paulicéia. Era meu segundo dia em Jericoacoara, e o passeio que fazíamos juntos era o de Tatajuba.

Bem, creio não preciso mais dizer que realmente alterei meu roteiro e depois de uma viagem que durou das 21:00 hs de quinta até às 17:00 hs de sexta, com uma conexão rodoviária em Fortaleza, cheguei a essa cidade no norte cearense. Foram mais de 800 km e o último trecho teve que ser feito de jardineira, espécie de caminhão adaptado ao transporte humano, pois o ônibus não conseguiria passar por um terreno tão acidentado. Formava-se assim a fronteira entre a civilização e esse belo povoado.

Se em Veneza as ruas são de água, em Jericoacoara as ruas são todas de areia. Como é bom constatar que alguns lugares resistem ao "progresso" e mantém suas características originais. Não tardei a perceber que essa seria a cidade em que mais realmente eu me sentiria de férias: o clima da cidade, a aconchegante pousada com ótimo custo-benefício, os bons restaurantes, a bela natureza... logo decidi que não ficaria duas noites, mas três. Esse seria o local perfeito para não se fazer nada.

O Paulo, nativo que ajudava na pousada, foi logo dizendo que por ali as coisas aconteciam um pouco mais devagar, o que aliás eu já tinha percebido quando estava chegando, uma vez que a jardineira quando passara por outros pequenos povoados, depois do aceno de um morador, tinha que esperar o passageiro lentamente sair de sua casa, ao invés deste estar esperando no ponto.

Na própria sexta da minha chegada não fiz muito além de comer em um restaurante indicado pelo Paulo (Sabor da Terra) e dar uma saída de madrugada - o nativo dissera que a noite em Jeri, para confirmar a lentidão do lugar, começava às 2:00 da madruga. Tenho que dizer que nesse dia a noite não começou, talvez devido a esses tempo pós-carnaval, quando as pessoas estão retornando, com a fonte de dinheiro seca, à rotina de suas vidas. O fato é que a cidade tinha bem menos turistas que o normal, segundo relatos, o que para mim não era de todo mal.

No sábado decidi que seria o dia das caminhadas. Primeiro, pela manhã, até a Pedra Furada, um dos cartões postais do local. Foi uma bela caminhada em que, por vezes, como a maré baixa permitia, também era entrecortada por entradas no mar. A fiz juntamente com um vendedor ambulante e um casal. O que era para durar 40 minutos demorou mais de hora e meia devido às muitas paradas. Chegamos à Pedra Furada e mais uma vez deu para perceber, para nossa alegria, a escassez de turistas. Isso nos permitiu explorar bem o local: uma imensa rocha com um grande furo no meio. Em certas épocas do ano é possível ver o pôr-do-sol pelo furo.

Voltei por um caminho diferente, já que a maré subira e não seria possível mais retornar por onde viemos. Dessa vez fui sozinho. Como a volta era por uma altitude mais alta, e em sentido contrário, novas paisagens se descortinavam a minha fente. Além das rochas, do belo mar com águas claras via-se cactos, jegues, vacas magras...

O sol era de meio-dia e pensei que me faria bem em um banho e um descanso em meio ao ar condicionado na pousada. Mais tarde saí para comer peixe frito, o prato que mais repetiria em toda a viagem, e partir para nova caminhada para o lado esquerdo de Jeri, passando pelas dunas.

Essa caminhada também serviu para confirmar o porquê da fama do local. Subi por dunas de areia que, com o mar , proporcionava curiosas sensações, e fui seguindo. Se para trás iam ficando a vila de Jeri as dunas, à frente surgia à esquerda muito verde cortado por riozinhos. Segui bastante e depois retornei. Foram longas horas em meio à natureza extasiante.

Retomo agora o relato de meu tereiro dia em Jericoacoara que deu ensejo ao primeiro parágrafo deste texto. Acertei o passeio de buggy na associação dos buggueriros sem saber se realmente seria possível fazê-lo e sem saber quem seriam meus companheiros de passeio. Mas essa é das imprevisibilidades que sempre são bem-vindas.

Às 8:45 do domingo tive certeza que o passeio aconteceria e às 9:00 o pessoal passou na pousada para iniciarmos o roteiro. Na primeira parada, cuja narração já iniciei, decidi não fazer o trecho de barco para conhecer o Cavalo Marinho. No dia anterior o sociólogo professor da UFMG Gustavo dissera-me que não valia pena. Abro um parenteses para dizer que o Gustavo também disse que o carnaval de Parintins no interior da selva amazonica é dez vezes melhor que o do Rio!

A próxima parada seria no próprio povoado de Tatajuba. A dona Delmira nos contou várias histórias, como a de que a Tatajuba antiga já não existia mais. A cidade fora coberta por dunas móveis e tivera que ser reconstruída.

A terceira parada foi nas dunas do Funil, dunas estas que ficavam em um elevado, local perfeito para apreciar o local ao longo de 360 graus. Alguns chegam a comparar o local com os lençóis maranhenses.

A quarta e última parada seria a lagoa de Tatajuba. O encanto desta parada ficaria por conta da deliciosa refeição que saboreamos e pelas redinhas que ficam estendidas sobre a água, aonde pode-se deitar e curtir o local. O cardápio é literalmente ao vivo, são mostrados os peixes e dito o preço para que seja feita a escolha. Nesse ponto foi possível conversar bastante e conhecer melhor meus colegas de passeio. Bruno me contara sobre a ansiedade de, em breve, abandonar o conforto de casa em Natal para assumir o posto de delegado em alguma cidade do Ceará. Não tivera carnaval, ou melhor, passara a festa mais popular do Brasil em uma delegacia constatando as piores mazelas que uma festa dessa dimensão, em uma capital como Fortaleza, pode proporcionar. Estava convencido de que não tinha perfil para aquilo. Comentei que pior que aquilo talvez fossem os pronto-socorros dos hospitais. Retornamos e nos despedimos. Já estou acostumado com essas amizades súbitas que se fazem e se desfazem. Tudo muito curioso.

Sobre Tatajuba ainda vale ressaltar que esse é o nome de uma planta cujas folhas possibilitam fazer um chá que, dizem, uma vez tomado causa efeitos piores que os da cocaína. Restam poucas árvores na redondeza, talvez tnham sido cortadas por isso...

Na segunda-feira tomei o café-da-manhã, peguei minha camiseta "No shirt - No shoes" e, cansado de ficar pra lá e pra cá, fui curtir a praia mais próxima. É bom dizer que usar tênis nas ruas de areia de Jeri (No shoes!) seria um sacrilégio. Passei a manhã toda na praia e retornei á pousada para retirar minhas coisas do quarto, uma vez que a diária venceria às 12:00 hs. (apesar de meu ônibus só partir às 22:30).

Na parte da tarde almocei carne de sol com queijo coalho. O nordeste, simplificando um pouco, é a terra da carne de sol, dos peixes, do camarão, do carangueijo, das frutas diferenciadas, da castanha, do queijo coalho, dos derivado da macaxeira (mandioca, aipim - segundo Luiz Câmara Cacudo um dos poucos alimentos genuinamente nacionais), e ainda de comer com os pés na água, do cardápio ao vivo...

A idéia era de que a segunda-feira ralmente fosse um dia tranquilo, como se fosse uma despedida serena de uma das melhores partes da viagem. Jericoacoara é um desses raros lugares que deve-se conhecer. E voltar.

Um comentário:

Gustavo Bruno disse...

Pelo que deu pra percerber Jericoacoara foi o local predileto da viagem.

Agora fiquei arrependido de ter ido a Morro Branco ao invés de Jeri, mas o pouco tempo que tinha forçou minha decisão.

Em uma outra oportunidade vou a Jeri, com mais tempo disponível.

Abraço